Oi, meninos e meninas!!! Vamos conhecer um texto de memórias?!
Transplante de menina
Tatiana Belinky
[...] Depois do almoço, continuávamos
o nosso turismo carioca. Papai e mamãe, mais o primo — feliz proprietário de
uma “baratinha” — nos levavam, todos empilhados, a passear pela cidade do Rio
de Janeiro. E foi assim que ficamos conhecendo o Morro da Urca e o Pão de
Açúcar — ai, que emoção — pelo funicular, o “bondinho” pendurado entre aqueles
enormes rochedos. E de onde se descortinava uma vista empolgante, só superada
pela paisagem de tirar ainda mais o fôlego que se estendeu diante de nossos
olhos, quando subimos — passageiros de outro trenzinho incrível, quase vertical
— ao alto do Corcovado. Ali ainda não se erguia a estátua do Cristo Redentor,
que é hoje o cartão-postal do Rio de Janeiro. Mas me parece que o panorama era,
por estranho que pareça, bem mais “divino” ao natural, sem ela.
Fomos passear
também na Gávea e na Avenida Niemeyer, ainda bastante deserta, e na Tijuca, com
a sua floresta e a sua linda Cascatinha. “Cascatinha”, por sinal, era o nome da
cerveja que papai tomava com muito gosto, enquanto nós, crianças, nos
amarrávamos num refrigerante incrível que tinha o estranho nome de Guaraná.
Não deixamos de
passear pelo centro da cidade, na elegantíssima Rua do Ouvidor, e na muito
chique Cinelândia, em frente ao Teatro Municipal e suas escadarias, com seus
bares e sorveterias na calçada. E, claro, na Avenida Rio Branco, reta, larga, e
imponente, embicando no cais do porto, por onde chegamos ao Brasil pela
primeira vez.
E foi nessa Avenida
Rio Branco que tivemos a nossa primeira impressão — e que impressão! — do
carnaval brasileiro. Eu já tinha ouvido falar em carnaval: na Europa, era
famoso o carnaval de Nice, na França, com a sua decantada batalha de flores; e
o carnaval de Veneza, mais exuberante, tradicional, com gente fantasiada e
mascarada dançando e cantando nas ruas. E havia também os luxuosos, e acho que
“comportados”, bailes de máscaras, em muitas capitais europeias. Eu já ouvira
falar em fasching, carnevale, Mardi Gras — vagamente. Mas o que eu vi, o que
nós vimos, no Rio de Janeiro, não se parecia com nada que eu pudesse sequer
imaginar nos meus sonhos mais desvairados.
Aquelas multidões
enchendo toda a avenida, aquele “corso” — o desfile interminável e lento de
carros, para-choque com para-choque, capotas arriadas, apinhados de gente
fantasiada e animadíssima. Todo aquele mundaréu de homens, mulheres, crianças,
de todos os tipos, de todas as cores, de todos os trajes — todos dançando e
cantando, pulando, saracoteando, jogando confetes e serpentinas que chegavam literalmente
a entupir a rua e se enroscar nas rodas dos carros... E os lança-perfumes, que
que é isso, minha gente! E os “cordões”, os “ranchos”, os “blocos de sujos” — e
todo o mundo se comunicando, como se fossem velhos conhecidos, se tocando,
brincando, flertando — era assim que se chamavam os namoricos fortuitos, a
paquera da época —, tudo numa liberdade e descontração incríveis, especialmente
para aqueles tempos tão recatados e comportados... Tanto que, ainda vários anos
depois, uma marchinha carnavalesca falava, na sua letra alegremente
escandalizada, da “moreninha querida... que anda sem meia em plena avenida”.
Ah, as marchinhas,
as modinhas, as músicas de carnaval, maliciosas, buliçosas e engraçadas,
algumas até com ferinas críticas políticas... E os ritmos, e os instrumentos —
violões, cuícas (coisa nunca vista!), tamborins, reco-recos...
E finalmente,
coroando tudo, as escolas de samba, e o desfile feérico dos enormes carros
alegóricos das sociedades carnavalescas — coisa absolutamente inédita para nós
— com seus nomes esquisitos, “Fenianos”, “Tenentes do Diabo” — cada qual mais
imponente, mais fantástico, mais brilhante, mais deslumbrante, mais mirabolante
— e, para mim, nada menos que acachapante!
E pensar que a
gente não compreendia nem metade do que estava acontecendo! Todo aquele
alarido, todas aquelas luzes, toda aquela agitação, toda aquela alegria
desenfreada — tudo isso nos deixou literalmente embriagados e tontos de
impressões e sensações, tão novas e tão fortes que nunca mais esqueci aqueles
dias delirantes. Vi muitos carnavais depois daquele, participei mesmo de
vários, e curti-os muito. Mas nada, nunca mais, se comparou com aquele primeiro
carnaval no Rio de Janeiro, um banho de Brasil, inesquecível...
Transplante de
menina. 3ª ed. São Paulo: Moderna, 2003.
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